Estratégia Nacional de Combate à Corrução: as vantagens de compliance
Sejamos diretos: quando o tema é corrupção, Portugal não surge bem na fotografia. O nosso país é percecionado como um dos mais corruptos a nível europeu, tal como atestam os dados do Índice de Perceção da Corrupção divulgados este ano. No ranking, Portugal ocupa a 33.ª posição mundial e é visto como mais corrupto do que a média da União Europeia e da Europa Ocidental.
É fundamental mudarmos, enquanto nação, esta perceção. Mas, mais do que isso, são necessários passos firmes e eficazes em termos de ética e combate à corrupção. A recém-aprovada Estratégia Nacional de Combate à Corrupção, publicada em Diário da República em abril, pode representar um avanço nesse sentido, ainda que de forma bastante tímida e cautelosa.
É um avanço, desde já, porque inclui o setor público e as empresas de média dimensão na obrigatoriedade de adoção de programas de cumprimento normativo. Esta é uma das novidades legislativas trazidas pela Estratégia que permite ganhar escala e transversalidade no combate à corrupção, indo além da obrigação para as grandes empresas, entidades financeiras ou empresas com ligações ao exterior, como acontecia até agora.
Compliance, muito mais do que cumprir padrões regulatórios
Para todas as organizações abrangidas, importa agora olhar para a nova Estratégia como mais do que uma obrigação legal a que é preciso dar resposta. Ou seja, não são de menosprezar as vantagens dos programas de cumprimento normativo, nomeadamente ao nível da reputação corporativa. Os programas efetivos de ética e compliance são uma ferramenta essencial no alerta de possíveis ameaças e na prevenção de violações da legislação – situações que, se não forem acauteladas atempadamente, podem prejudicar a reputação de uma organização, resultar em sanções ou afetar as suas relações comerciais. Por outro lado, implementar e seguir um programa desta natureza é também um fator de credibilidade em caso de investigação.
As vantagens estendem-se ao dia a dia das organizações, com efeitos positivos no negócio. Quer se trate de uma startup, de uma empresa multinacional, de uma organização sem fins lucrativos ou de uma entidade pública, desenvolver um comportamento ético e que siga as regras de compliance não se limita apenas ao cumprimento de padrões regulatórios mínimos ou à implementação de uma ferramenta de mitigação de riscos. Programas robustos de compliance e ética são muito mais do que isso: contribuem para o aumento da produtividade e do desempenho das equipas de trabalho, dos níveis de confiança e de transparência para com as partes interessadas. O resultado? Um aumento da confiança nas operações e nos processos de tomada de decisão, maior retenção e fidelização de clientes e um contributo importante para a continuidade e sustentabilidade das organizações.
Tornando claras as vantagens da complicance, é tempo de substanciar estas práticas e reforçar a sua presença – quase de forma orgânica – dentro das organizações. Para tal, e perante um histórico nacional pouco robusto, olhar para o panorama internacional pode revelar-se particularmente útil. Até porque existem diversos exemplos de países que implementaram pacotes legislativos muito fortes em matéria de combate à corrupção. Veja-se, por exemplo, o caso dos Estado Unidos da América, uma referência nesta área, que, já em 1977, tinha adotado o seu Foreign Corrupt Practices Act, estabelecendo, entre outras medidas, que as empresas não podem fazer pagamentos a entidades ou pessoas com funções públicas. Também no Brasil entrou em vigor, em janeiro de 2014, a Lei da Empresa Limpa uma inovadora e abrangente lei anticorrupção brasileira.
Estratégia Nacional de Combate à Corrupção, o início do caminho?
Sabemos que, em Portugal, estamos muito afastados da realidade de outros países e que há um longo caminho a percorrer em termos de ética e de combate à corrupção. A Estratégia Nacional de Combate à Corrupção, com um âmbito definido até 2024, pode efetivamente ser um passo para encurtar essa distância e trazer algumas das melhores práticas internacionais ao nosso ordenamento legal.
Desta forma, é essencial encararmos a Estratégia não como uma meta, mas como um ponto de partida que precisamos de concretizar e dar continuidade, quer com abordagens complementares de sensibilização e fiscalização, quer com novas peças legislativas ao longo dos próximos anos. Só assim é possível fazer da compliance uma prática nacional consolidada e avançar no combate à corrupção. E só assim poderemos, finalmente, inverter a perceção existente e renovar a confiança dos cidadãos nas instituições. O caminho começa agora.